Fórum Justiça

Escravidão ainda é vista como ‘problema do outro’, afirma pesquisador da Uerj

04/05/2015

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fonte: http://www.trt12.jus.br/portal/areas/ascom/extranet/noticias/2015/abril.jsp#n4

Em palestra a magistrados do TRT-SC, professor José Ricardo Ferreira da Cunha diz que dilemas da democracia exigem respostas de um Judiciário ‘menos técnico e mais responsável’

Jose Ricardo Cunha
‘Mais do que julgar o caso concreto, juiz terá de se preocupar em passar mensagem à sociedade’, afirma pesquisador

Convidado a palestrar para os magistrados do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina (TRT-SC), em evento promovido pela Escola Judicial, nesta sexta-feira (10), o professor e pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, José Ricardo Ferreira Cunha abordou os desafios que cercam a erradicação do trabalho escravo. Embora reconheça que boa parte da sociedade não demonstra interesse no tema, Cunha destaca que o problema toca em grandes dilemas da democracia e do próprio futuro do Judiciário. “Para conseguir dar novas respostas, o Sistema de Justiça vai ter de amplificar vozes que antes não eram ouvidas”, afirma.

ASCOM – Em sua palestra o senhor afirmou que um grande desafio em relação ao trabalho escravo é mudar a percepção da sociedade sobre o problema. Qual seria essa mudança?

O fato de o trabalho escravo ser uma espécie de “violência seletiva” contra alguns grupos específicos faz com que boa parte da sociedade não esteja minimamente interessada no assunto. Ele ainda é visto como um “problema do outro”. Muitas pessoas sequer percebem que são agentes ativos na produção do trabalho escravo. Para ser corretamente enfrentada, essa questão precisa ser vista como um problema de todos.

ASCOM – Como fazer essa mudança de perspectiva?

É preciso esclarecer que todos nós somos, de alguma forma, “vulneráveis”. A vulnerabilidade não deve ser associada a um grupo, ela é quase uma condição existencial. Muitos teóricos já afirmam que vivemos numa “sociedade de risco”: todos podemos ser atacados, ofendidos, prejudicados. É preciso pensar a vulnerabilidade como o resultado da forma como o Estado distribui os privilégios e os fardos da vida em sociedade. Nesse sentido, a permanência do trabalho escravo indica promessas que a democracia ainda não conseguiu concretizar.

ASCOM – Nossa democracia ainda é marcada pela desigualdade?

A igualdade existe na Constituição, no plano do Direito, mas ainda é uma promessa que não se realizou plenamente. Todos são iguais, porém somente perante a lei. Ou seja, as outras desigualdades, aquelas que ocorrem por trás da lei, ficam mantidas. O resultado é que os grupos que são vítimas dessa desigualdade real são também os mais atingidos pelo trabalho escravo.

ASCOM – O trabalho escravo também toca em outro pilar da democracia, a liberdade. Ainda estamos longe de uma sociedade, de fato, livre?

Em boa parte do mundo, inclusive no Brasil, o sistema jurídico assegura uma liberdade formal, mas não necessariamente real. Se nós pensarmos na liberdade como condição de possibilidade, como um conjunto de coisas que cada um de nós “pode fazer”, há uma distância brutal entre as pessoas. A ideia de que “a liberdade de um acaba quando começa a liberdade do outro” só favorece essas contradições. Porém, aos poucos, começa a ficar clara a percepção de que a pequena liberdade de uma pessoa não pode estar condicionada à gigantesca liberdade de outra.

ASCOM – Diante dessas contradições, o conceito de liberdade tende a ficar mais complexo?

O direito à liberdade é o direito de ser como você é, ou como você quer ser. É basicamente um direito à diferença. Estamos falando de comportamentos e características socialmente rejeitados e até mesmo perseguidos. Não é coincidência que as vítimas do trabalho escravo pertençam, em sua grande maioria, a esses grupos. O sociólogo português Boaventura de Souza Santos conseguiu sintetizar esses dilemas ao dizer que “temos o direito de ser iguais sempre que a desigualdade nos inferiorizar, e que temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracterizar”.

ASCOM – Em sua palestra, o senhor afirmou que estamos vivendo um momento de  transição do Direito, em que o Judiciário terá de se reaproximar da política. Qual é o papel do Judiciário, nesse novo paradigma?

No século passado o Direito se firmou como um subsistema social que tomava decisões técnicas, e que conseguia permanecer imune às pressões políticas. Se por um lado isso trouxe legitimidade e autonomia aos juízes, ele também diminuiu a sua responsabilidade em construir novas respostas, que exigem mais do que a mera técnica. Isso vai exigir um Direito mais permeável à política, que ouve todas as demandas sociais, que dialoga e que busca dar essas respostas levando em conta os fins do próprio sistema. E que mais do que dar um decisão, quer passar uma mensagem. Para construir essas novas respostas, será preciso alcançar segmentos que antes não eram ouvidos. A cada grupo de trabalhadores que é resgatado do trabalho escravo, conseguimos amplificar essas vozes.

MildnerApós a palestra com o professor José Ricardo Ferreria Cunha, os magistrados catarinenses também tiveram a oportunidade de ouvir as considerações do procurador regional do trabalho da 4ª Região (RS), Roberto Portela Mildner, sobre o tema.

O representante do Ministério Público do Trabalho apresentou uma visão geral das normas relacionadas ao tema e discorreu sobre os avanços e retrocessos na fiscalização, como a volta da chamada “Lista suja” de empregadores e a aprovação da expropriação das terras onde o crime for constatado.

Mildner também relatou sua experiência em operações de fiscalização, algumas em locais quase inacessíveis, como uma fazenda no meio da selva amazônica.

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